quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

o chesterfield é capaz de aumentar para 3.80.


Em tempo de guerra não se conta apenas as espingardas, o pão, as couves, a água, a electricidade, os lençóis, o vinho, os cadáveres, etc, mas também esse bem essencial que dá pelo nome de tabaco. Numa das mais esplendorosas cenas desse bailado de almas penadas que é Die Ehe der Maria Braun (a pré-produção teve o seu começo no Estádio), Maria atira para cima da mesa um maço de tabaco Camel, provocando sagrado ataque de ansiedade à sua mãe. O afã com que esta vai buscar os fósforos, a crueldade da sua filha em apagar o primeiro quando este se apresta a tomar contacto com o cigarro, e novo histerismo da sua mãe e posterior deleite em dar a primeira passa é a prova de que em tempos de violência há coisas bem mais importantes do que ir para a fila do pão. Em Se Isto É um Homem, Primo Levi e seus amigos não faziam tráfico de pães ou de arroz nos campos que cirandavam bela vegetação esverdeada.

Em Tale of Cinema, do Hong Sang soo, outra maravilha* (a duas velocidades, como diriam os redactores daquela famosa revista de cinema francesa (ganda Mourinha)), não há guerra nem aparentemente falta de cigarros, apenas um conjunto de personagens oral e emocionalmente desarticuladas. Mas por entre os bairros de Seul e de fartos manjares e não menos vinhaça, há um maço de cigarros Marlboro que se torna peça dentro do filme. Uma das personagens até diz "sempre quis fumar um destes", e vai daí sorve aquilo como se não houvesse amanhã. É belo, senhor Fernando Póvoas. Tomai como mandamento os sábios conselhos de Sterling Hayden (genuflexão) naquele filme um pouco obscuro dos anos 50...

* sobretudo os zooms a despropósito, talvez para enviar para a cona da tia aqueles que, mal vendo um asiático a dar primazia ao "austero plano fixo", tratam logo de o equiparar ao Ozu.

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