quarta-feira, 30 de outubro de 2013

só dá Argento (1 de não sei quantos)


A integral Argento ainda vai no adro (comecei com o" período de ouro"- 1975/1985-, vou por aí fora - à "decadência", dizem as más línguas- e depois farei marcha atrás até aos inícios), mas ao fim de meia dúzia de filmes é já fácil retirar uma conclusão: ainda bem que Deus Nosso Senhor me deu vista, ouvidos e restante saúde fisiológica para ainda ir a tempo de ficar banzado a ver tamanhos repastos de coisas que gostamos muito, que deficientemente serão expostas já abaixo. 

Profondo Rosso . Durante anos andei a confundir este título com o Porco Rosso do Myiazaki, o que basicamente é o mesmo que confundir o Dr. Rui Machete com o Maldini. Este filme deu tanto brado que até chamou a atenção de mestre Alfredo, que muito contente comentou com sua esposa (enquanto comia scones e bebia a cup of tea) de que havia por aí um jovem italiano muito pervertido, o que era marvelous. Acabada esta afirmação subiu ao quarto, vestiu as roupas de sua tia, olhou-se ao espelho e disse de si para si:" Sou tão bonita. Ainda bem que me chamo Grace". Dario, numa conversa telefónica com o mestre, agradeceu a admiração e quando o mestre lhe perguntou se a extraodinária sequência dos close ups nos objectos tinha alguma coisa de si próprio, o jovem italiano respondeu:" Sim, Mestre. "Como disse o Godard", no Notorious esquecíamo-nos do Grant e da Ingrid e só ficávamos com os objectos, as garrafas de vinho, etc. Tentei ainda ir mais longe e fazer uma sequência inteira só com objectos e suas implicações psicológicas na mente do assassino". Alfred riu-se, bebeu mais um cup of tea, e maliciosamente respondeu:" Como se fosse possível esquecer a Ingrid...". Dario riu e acrescentou, simpaticamente:" Qui Putana...". Em seguida segue-se um pequeno excerto da crítica de 200 páginas que John Samuels, professor convidado na prestigiada escola Zusammenfassung-Strasse, de Genebra e autor do aclamado livro Argento: a man with two arms and two legs, publicado em 1976. Tradução de Henrique Calisto Júnior: 

Profondo Rosso começa com um crime numa noite de natal, uma cena que certamente virá da própria psique do próprio realizador, que foi abandonado pela própria mãe numa véspera de natal. Para os mais atentos, esta será logo a primeira e mais reveladora pista da identidade do serial killer que David Hemmings e Daria Nicolodi andam a perseguir pelas ruas de Roma (embora na realidade seja Turim, cidade escolhida por Argento porque segundo se crê há por lá mais satânicos que em qualquer outra cidade europeia). Essa sequência inicial é também a central do filme, que se ramificará em alusões pelo tempo restante, como o recorrente uso a uma infantil lullaby sempre que o assassino vai fazer das suas ou na brilhante cena dos objectos, captados num movimento contínuo de câmara que fará as delícias de qualquer adepto de uma câmara em movimento, esse filhos da puta. Objectos de infância, de um tempo encerrado na psique do assassino, objectos que o chacinador associa a um determinado minuto da sua vida. Tal, aliás, como Hitch faria com a Tippi Hedren, Anthony Perkins e outros aleijados dos seus filmes, para quem certos objectos, cores, etc eram sinal de descontrolo psicológico iminente. Quanto à lullaby, recordamos um filme que irá estrear por daqui a vinte e sete anos, chamado Memories of Murder, e que também fazia de uma canção o indício do que aí vinha. No capítulo mulheres de boas carnes, Profundo Rosso...[...]

Profondo Rosso e as marcas visíveis de Argento para os iniciados:

mulherio atraente: sim (nomeadamente e mormente Macha Méril)
mulherio com a cara espatifada de encontro a vidros de janelas: sim
olhos na escuridão: sim
cores primárias: sim
lugares subterrâneos ou escondidos: sim
Goblin e seus portentos atómicos: sim
panorâmicas, travellings, planos de pormenor de bocas: sim
ruas desertas ou ocupadas por figuras humanas que sugerem estátuas: sim
Daria Nicolodi: sim
Alida Valli: não
bicharia: sim (lagartos)
décors sumptuosos/ casas até à Lua: sim
luvas: sim
facalhões/ navalhas: sim
chega de idiotices: sim