quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

só dá Argento (7 & 8 de não sei quantos)



Em 1990, Argento unir-se-ia ao seu amigo Romero para um filme em episódios a homenagear o génio Poe. Carpenter e Craven também deveriam ter feito parte do projecto, mas ficaram a comer bolos numa pastelaria e o trabalho ficou reduzido aos dois primeiros, daí resultando Due occhi diabolici. O episódio de Romero é patético, o de Dario está praticamente ao nível dos seus melhores trabalhos. "The Blak Cat", assim se chama, e o título remete não só para o conto de Poe como para o mundo bestiário do italiano. Dario e a sua câmara anti leis da gravidade: planos impossíveis, por cima de móveis, simulando saltos de gato em POV: câmaras GO Pro vinte anos antes. A reiteração da associação entre Arte e Terror. Harvey Keitel como pouco ético foto-jornalista e citações saborosíssimas ao Psycho (Martin Balsam e tudo). E com argumento bem papudo e perceptível, desta vez. 

Três anos depois Dario meteu-se numa avião com a sua filha e foi para os EUA realizar Trauma. Ora bem, o Argento ter um filme chamado Trauma só seria ultrapassado se o Bresson tivesse um chamado "Les Mains", tal é a proliferação dos obscuros corredores da mente na obra do italiano. Segundo informações que recolhemos num café por volta das seis da tarde, é a partir deste filme que se começa a traçar a divisória entre o "Grande Argento" e o "Pequeno Argento", algo que trataremos de decifrar muito em breve, da forma o mais ética e responsável possível, embora tenhamos de começar por discordar com Trauma, que devorámos com a mesma sofreguidão com que refastelámos a alma nos clássicos europeus. Aliás, aqui não é o cineasta que se adapta aos EUA, mas sim esta ao cineasta: não há aculturação, não há Tsui Harks a darem o cu ao Van Damme. Lá estão as ruas desertas ou com pessoas semi-mortas, os lagos ao luar, as luvas, o mesmo tomate a jorrar da boca de desgraçados e desgraçadas. Lá está Asia Argento na senda das meninas virginais das anteriores obras, a contas com o Mal do mundo, e a inflamada banda sonora do Pino Donaggio, e o mesmo romantismo angelical de Opera, e, tal como em Profundo Rosso, a mesma brincadeira com os limites da percepção visual (excepcional plano em que jamais vemos o assassino mesmo com ele bem à nossa frente). Escandalosas sequências de pastiche de Vertigo e Marnie, planos oblíquos e torna-se evidente que Dario e De Palma andaram a trocar abundante correspondência (vôvô, o cinema acabou!). Cinema epidérmico, de emoções, arte através de "lixo temático". O plano final (com a falecida semi-irmã de Asia, filha de NOSSA SENHORA Daria Nicolodi) estará certamente incorporada na nossa mastodôntica obra "The Story of Film: Lets pretend we know something about film to impress some chicks".